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O brilho diferente das estrelas

(Para o Dalmir Lott, parceiro de canções e vida)



Morar em Nova York e Los Angeles tem destas coisas. Você está em um café e, de repente, surge pela porta a Michelle Pfeiffer, uma criatura normal. Ela entra, pega seu cappuccino, senta-se à mesa ao lado e existe – mortal por um breve momento -, no mesmo espaço que você. E você finge naturalidade, o olhar encompridando na direção dela, naquela quase certeza de que somos filhos do mesmo Deus. Recordo-me de quando o diretor Steve Spielberg esteve em Newark para a gravação de cenas do remake de A Guerra dos Mundos. Ele, Tom Hanks, Dakota Fanning e toda a trupe interagiram com os moradores do bairro, deram autógrafos, posaram para fotografias, comeram nos restaurantes e fizeram a alegria de muita gente. Eu não os vi. Mas notei que depois que acabaram as gravações, a região das Cinco Esquinas ganhou um ar diferente. Foram-se as estrelas, mas ficaram faíscas ainda acesas, centelhas, restos de uma luz diferente que não consigo explicar. Ficou um élan. Deixaram um ar de não sei o que, apesar de tudo ter ficado absolutamente no mesmo lugar.

No outro dia eu escutava um programa de rádio em que ouvintes telefonavam relatando experiências de encontros com seus ídolos e um deles me chamou a atenção. O ouvinte trabalhava em uma empresa de seguros e estava em Milwaukee para uma convenção. Após os trabalhos do dia, combinou de se encontrar com alguns colegas no bar do hotel para tomarem umas biritas e celebrar o seu aniversário, que coincidentemente acontecia naquele dia. Ao fim das palestras ele tomou um banho, vestiu-se, perfumou-se, pegou elevador e observou um baixinho de olhos esbugalhados que havia entrado alguns andares acima. Cumprimentam-se e o baixinho perguntou para onde ele estava indo. O ouvinte explicou do encontro com os colegas e do aniversário, que seria celebrado com muito uísque e cerveja. O baixinho sorriu e perguntou se poderia se juntar a eles para um coquetel ou dois. O ouvinte disse que sim. Na cena seguinte, todos bebem e celebram no bar do hotel, que tem um piano de cauda em um canto do salão. Um pouco depois da meia noite, todos estão bastante eufóricos pelo efeito da bebida e o baixinho de olhos esbugalhados se senta ao piano e começa a cantar.

“It’s nine o’clock on a Saturday The regular crowd shuffles in There’s an old man sitting next to me Makin’ love to his tonic and gin”

Billy Joel cantou e tocou até às 3 da manhã, naquele que foi, segundo as palavras do ouvinte, o melhor aniversário de sua vida. Teria sido o da minha também. Improvável? Sim, mas pode acontecer.

Vivo pertinho de Nova York desde 1984 e já esbarrei com muitas celebridades nas perambulações pela cidade, e jamais vivi algo parecido com a estória do ouvinte da Z-100. Rihana já jantou na mesa ao lado da minha no Da Silvano’s. Noutra ocasião tive que abrir a porta do banheiro daquele mesmo restaurante para Matt Dillon. Eu não estava pronto para sair e ele tinha a pressa dos mortais. Já vi Woody Allen comendo uma fatia de pizza no East Village e acompanhei as pernas bonitas de Kim Basinger atravessando a Bleeker Street em direção a Thompson. Nada, no entanto, foi mais único e estranho do que o que vou relatar.

Estou no provador da Barney’s, tentando abotoar um jeans. O andar está completamente vazio e sinto-me abandonado, porque o vendedor saiu em busca de um número maior e não voltou. Ele demora e fico impaciente. Esgueiro a cabeça para fora da porta e não há ninguém ali. Saio vestido de cuecas e meias brancas procurando pelo bendito vendedor, quando vejo sair do provador do lado um homem de uns 60 e poucos anos, óculos escuros, também só de cuecas e meias vermelhas.

– Como vai você? – ele pergunta, todo relaxado. – Bem, obrigado. E você? , balbucio meio sem graça. – ‘Cool’, ele diz. Calo-me. Não consigo dizer palavra. Volto para o meu cubículo e fico quietinho até me certificar de que ele se foi. De que todo mundo se foi. Jack Nicholson consegue ser ‘cool’ - e intimidante - até quando está de cuecas na frente de um estranho.

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